Ao longo de sua história, a Odontologia caracteriza-se pela rápida evolução em seus conceitos. A superação de paradigmas antigos sempre se colocou como um desafio ao cirurgião-dentista, muitas vezes preso a conceitos pouco fundamentados ou já superados. Até as décadas de 1970-1980, por exemplo, a Odontologia baseava-se unicamente no princípio de resolver pontualmente os problemas apresentados pelo paciente, numa perspectiva restauradora ou ressectiva. Isto é, o profissional poderia restaurar dentes, instalar próteses ou realizar procedimentos diversos, sem preocupações maiores em promover a saúde bucal no sentido de evitar o surgimento de novos problemas e garantir a longevidade dos tratamentos. Não raro, pacientes tinham todos os seus dentes extraídos e substituídos por próteses, o que muitas vezes era considerado um privilégio individual: desfrutar de uma dentadura, estar livre da “dor de dente”, entre outras coisas.
A partir da década de 1990, conceitos relacionados à promoção de saúde ganharam espaços nos meios de ensino odontológico e, também, na prática clínica. A preocupação com a manutenção de dentes, além da prevenção de futuros problemas ou doenças bucais, se tornaram mais presentes, servindo de oriente para a prática profissional mais ética e adequada. Junto a isso, passou a imperar a necessidade de se adotar condutas clínicas e decisões de tratamento baseadas em evidências científicas, ou seja, estabelecer a escolha do tratamento do paciente com base nos dados científicos de maior qualidade possível. Esta, até hoje, deveria ser a conduta predominante na prática odontológica.
Talvez o avanço mais importante dentre as técnicas reabilitadoras na Odontologia seja o desenvolvimento dos implantes dentários. A utilização deste recurso na reposição de dentes perdidos caracterizou uma verdadeira revolução, possibilitando a substituição de um único dente perdido ou comprometido, até a reabilitação total da dentição. Em geral, tratamentos com implantes, quando bem planejados e conduzidos de forma adequada, apresentam elevada previsibilidade de resultado. Ou seja, devolvem a estética e a função dos dentes de forma satisfatória e duradoura. Contudo – e esta é a questão central – implantes dentários diferem muito de dentes naturais em diversos aspectos.
Os dentes naturais e o seu aparato de sustentação (tecidos periodontais) caracterizam-se por serem tecidos altamente especializados, com diferentes funções mecânicas, estruturais e funcionais. Apresentam elevada capacidade de adaptação a demandas funcionais (mastigação). O ligamento periodontal é rico em terminações nervosas que conferem a chamada propriocepção, que é a capacidade de se reconhecer a localização espacial do corpo, posição e orientação. Já o implante dentário é caracterizado pela formação de um tecido cicatricial, com menor especialização em suas funções. Esta “cicatriz” permite a estabilidade do implante em sua porção de osso e tecido mole (mucosa peri-implantar), porém, com capacidades funcionais de adaptação muito reduzidas em comparação com dentes naturais.
Imagem: Coli et al., 2017 (Periodontology 2000)
Uma questão que se impõe atualmente é que muitas vezes se torna mais fácil, tecnicamente, substituir por implantes aqueles dentes que apresentam algum problema relacionado a sua estrutura ou inserção, do que tratá-los visando a sua manutenção. Soma-se a isso eventuais interesses comerciais, que deveriam manter-se distantes de decisões relacionadas a questões de saúde.
As melhores evidências científicas atualmente disponíveis demonstram que a longo prazo, implantes dentários podem apresentar problemas de solução mais complexa do que aqueles apresentados em dentes naturais. Especialmente, pacientes com história pregressa de doença periodontal (gengival) apresentam elevado risco de desenvolverem doenças peri-implantares. Estas podem ocasionar uma série de implicações clínicas e até a própria perda do implante dentário. Este grupo de pacientes, principalmente, deve passar por avaliação ainda mais rigorosa quanto a possibilidade de manter dentes com algum nível de comprometimento, antes de se definir a substituição por implantes.
Há alguns anos, o exponente periodontista e pesquisador sueco Jan Lindhe, referência máxima em estudos da área, já observava que “há um uso excessivo de implantes em todo o mundo e uma subutilização de dentes como alvos de tratamento”.
Certamente esta afirmativa permanece muito atual e evidencia a necessidade da avaliação criteriosa quanto à necessidade de se realizar uma extração dentária. A despeito dos importantes avanços e benefícios da implantodontia, nenhum implante substitui plenamente um dente natural. Certamente, um dente natural tem um valor inestimável e todos os recursos técnicos e científicos devem ser empregados em sua manutenção.